quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Morre professor de História João Batista de Andrade

Publicado em 10/12/2008

Reportagem: Anderson Carvalho, Cláudio Emanuel, Danilo Motta, Érika Torres, Gutemberg Ramon, Luiz Gustavo Schmitt, Marcelo Macedo Soares e Raphael Martiniano.


O professor de História João Batista Andrade, de 62 anos, morreu às 20h30 de ontem, no Hospital Universitário Antônio Pedro (Huap), no Centro de Niterói. Na noite de terça-feira, ele foi atropelado quando andava de bicicleta pela Avenida Roberto Silveira, em Icaraí, na Zona Sul. Segundo a polícia, o professor, carinhosamente chamado de JB, foi atingido por um Ford Fiesta preto, que teria avançado o sinal da Rua Doutor Paulo César. De acordo com testemunhas, JB foi projetado contra o pára-brisa do veículo. O docente foi socorrido pelo Corpo de Bombeiros por volta das 22 horas e levado, em estado grave, para o Huap, onde não resistiu – segundo os médicos, a vítima teve uma parada cardiorrespiratória.

Ainda de acordo com a unidade de saúde, a violência da pancada causou um coágulo no cérebro. Os médicos aindam tentaram reanimá-lo no Centro de Tratamento Intensivo (CTI). Em vão. Durante a tarde de ontem, surgiu a informação de que JB teria sido constatada a morte cerebral dele, o que foi negado pelo diretor do Huap, Tarcísio Rivello.

O motorista do carro causador do acidente, identificado pela polícia como Theodoro Martins, de 62, teria omitido socorro. Horas mais tarde, ele se apresentou à 77ª DP (Icaraí), onde o caso foi registrado, sendo liberado após prestar depoimento. Ele foi indiciado por lesão corporal culposa (sem intenção). Porém, com a morte de JB, é possível que ele responda por homicídio culposo.

Segundo os médicos, o professor sofreu traumatismo crânio-encefálico. Ex-mulher de JB, Rita Mansur apontou a falta de um espaço para os ciclistas nas ruas da cidade como um dos fatores do acidente.

"A ausência de ciclovias é um fato que colaborou para o acidente", disse.

Antes de tomar conhecimento da morte do pai, Thaís Regina Eira de Andrade, de 19, afirmara que a família pensaria em ações judiciais.

"O motorista avançou com força, caso contrário meu pai não teria quebrado o vidro do carro com a cabeça", disse.

João Batista de Andrade foi professor de diversas instituições em Niterói, como o Liceu Nilo Peçanha, no Centro, e o Gay Lussac, em Icaraí. Ficou conhecido por defender causas dos estudantes e por conta da atuação política na cidade, e ainda por colaborar na organização do Movimento Estudantil em várias escolas em que lecionou. JB, inclusive, foi militante do Partido dos Trabalhadores (PT). A Câmara de Vereadores de Niterói chegou a fazer, na sessão plenária de ontem, um minuto de silêncio em solidariedade à vítima. João concorreu, neste ano, a uma cadeira na Casa pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), obtendo 468 votos.

O corpo do docente deverá será velado na Câmara de Vereadores de Niterói e sepultado, ainda nesta quinta-feira, no Cemitério São Francisco Xavier, em Charitas.

Definido como ‘uma figuraça’

Alunos, colegas de magistério e amigos dos colégios em que João trabalhou, como o Liceu Nilo Peçanha e a Escola Estadual José Bonifácio, lembraram do professor com carinho. Irreverente, brincalhão e abnegado pela educação foram algumas das palavras usadas para definir a personalidade de JB.

Na Escola Estadual José Bonifácio, onde JB lecionara História até o primeiro semestre deste ano, os estudantes cantarolaram um dos motes da campanha política de João: "Nazismo, maldade, malícia. Ou a polícia acaba com o esculacho ou o esculacho acaba com a polícia", cantaram em uníssono os alunos Philipi Costa da Silva, de 15 anos, e Marcos Paulo dos Santos Junior, de 14.

"Ele era uma ‘figuraça’. Andava para todos os lados com uma bicicleta rosa, que chamamos de ‘Trono do Papai Noel’, pois ele tem uma barba branca e é velhinho", disse Philipi.

O diretor-geral do Liceu Nilo Peçanha, Celso Lopes, definiu João como uma figura folclórica.

"Como professor era excelente. Acreditava e brigava muito por esta escola. Ele pretendia voltar a lecionar aqui", disse.

A professora de matemática do Liceu Nilo Peçanha Almerinda França disse que trabalhou com João em duas oportunidades.

"Alguém não conheceu o João? Trabalhei com ele no Colégio Henrique Lage e mais recentemente no Liceu. Era uma pessoa inteligente", disse.

Trajetória política

João Batista foi um dos fundadores do PSOL na cidade, tendo se filiado ao partido em 2005. Nas últimas eleições, ele disputou vaga na Câmara Municipal, tendo obtido 468 votos, número insuficiente para ser eleito. Na verdade, o último pleito foi o sexto do qual participou. A trajetória política dele começou como militante do PT, ao qual esteve filiado de 1981 até 1988, quando foi expulso da legenda. Passou ainda pelo PDT e PV, antes de ir para o PSOL.

Em 1982, disputou eleição para deputado estadual pelo PT. Foi um dos defensores da aliança do partido com o então candidato a prefeito pela primeira vez Jorge Roberto Silveira, do PDT. Na ocasião, chegou a ser acusado de fraudar uma votação no PT que aprovou a aliança com o PDT. Expulso do PT, filiou-se ao PDT, tendo sido secretário de Defesa Civil na primeira gestão de Jorge Roberto. Disputou ainda as eleições para vereador em 1992, 1996, 2000 e 2004, nunca tendo sido eleito.

Entre as bandeiras que defendia, estavam o passe-livre para os estudantes das escolas públicas, a preservação do meio ambiente e direitos entre casais gays. Em 1996, procurou a Ordem dos Advogados do Brasil de Niterói (OAB-Niterói) denunciando ameaças de morte contra ele.

Durante a campanha eleitoral deste ano teve como marcas registradas a bicicleta e os vídeos com as idéias para a cidade, que eram divulgados na internet. Andava pela cidade no veículo, que tinha, inclusive, um amplificador.

"É uma figura histórica da esquerda na cidade. Conhecido pelo carisma, o bom trato com as pessoas e a firmeza das idéias", disse Flávio Serafine, presidente do PSOL de Niterói.

Revolta no Antônio Pedro

Durante toda a tarde de ontem, dezenas de pessoas, entre parentes e amigos de João Batista de Andrade, compareceram ao Hospital Universitário Antônio Pedro (Huap) para prestar solidariedade aos familiares próximos.

Dentre os presentes estava a secretária municipal de Educação, Alina Maria Tinoco de Souza. Segundo Thaís Regina, filha de JB, ela e o pai eram muito amigos.

"Hoje em dia, as pessoas estão muito desumanas, todos estão sempre com muita pressa. É preciso humanizar as pessoas", disse Rita Mansur, amiga da família.

Mensagens de carinho no Orkut

"Fala meu filho! Huhu". A frase, além de apresentar a comunidade "JB pra sempre vereador" no Orkut, retrata o bom-humor e o alto astral que João Batista irradiava. Esquerdista em tempo integral, JB era dono de outra comunidade no site de relacionamentos, a "Crítica da nova história crítica". Nela, João Batista defende a tese de que o Brasil não foi descoberto, mas sim invadido.

"A crítica que fazemos à essa concepção é pela esquerda, isto é, tem o objetivo de destacar as ações da luta popular, e não dos governos de elite", diz um trecho do texto.

Já no perfil de JB, mensagens dos amigos traduziam o sentimento de tristeza.

"É difícil falar alguma coisa numa hora dessas, mas o que posso dizer é que você já deixou sua marca no mundo", atestou um dos recados.

Nenhum comentário: