quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Antigo Cine Icaraí é o retrato do abandono

Publicado em 07/12/2008



Luiz Gustavo Schmitt

Visto de dentro, o antigo Cinema Icaraí – fechado em 2006 - marco da história do bairro, recentemente tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) no último dia 25, é o retrato do abandono. Aberto pela primeira vez para a equipe de reportagem de O FLUMINENSE, desde seu fechamento, pode ser conferido que as instalações estão cobertas de poeira. Há também tapumes espalhados pelos cantos e um forte cheiro de mofo. Na sala de projeção, o cenário não é diferente: negativos de filmes e bobinas à deriva, espalhados pelo chão e em cima da mesa do projecionista. Veja imagens.

Andar pelo local é tarefa árdua e cuidadosa: cacos de vidro, pedaços de gesso e até de ferro estão por toda a parte. No chão, ainda restam cartazes de alguns dos últimos filmes exibidos: "Procurando Nemo" e "Expresso Polar".

Sacos de pipoca, copos de refrigerante e algumas carteiras de estudantes no piso do hall de entrada são pistas do que um dia foi o Cinema Icaraí.

As tradicionais cadeiras de couro vermelhas do primeiro piso foram retiradas, assim como as caixas de som e o antigo lustre que pendia sobre o salão principal.

No segundo andar, que era considerado espaço desprivilegiado pelos cinéfilos, por ser muito alto para assistir às sessões, ainda restam as cadeiras de madeira.

Proprietários – O prédio do cinema pertence à Kopex, empresa de administração de imóveis, cujo sócio é o empresário da construção civil Fernando Policarpo. Ele afirmou que recebeu o imóvel nas condições atuais.

"Não tem uma cadeira, um banheiro, está tudo quebrado. Mas foi assim que recebemos. Não fomos nós que fizemos isso. Não acho que seja bom para o bairro e para a cidade que se mantenha dessa forma. Apresentamos uma proposta de aproveitamento comercial, com um cinema de duas salas menores, lojas, livrarias, lanchonetes, cafés, mas foi vetada. A idéia seria criar mais salas de cinema. Hoje não é mais viável fazer um cinema tão grande assim", disse Policarpo, que ainda acrescentou:

"Se o Poder Público entender a necessidade de ter ali um espaço cultural acho perfeitamente normal. Mas aí tem que desapropriar e comprar. Acho que a cidade tem esse direito e estamos dispostos a conversar com as autoridades envolvidas. Desde que seja bom para Niterói e viável para nós", concluiu Policarpo.

Segundo a diretora do Departamento de Preservação do Patrimônio Cultural (Depac) , Regina Prado, a responsabilidade pela conservação do bem cabe ao proprietário do imóvel, que em contrapartida recebe incentivos fiscais.

"O tombamento não significa que o Poder Público tomará conta do imóvel. Isso compete ao proprietário, que em troca não precisa pagar Imposto Territorial Predial Urbano (IPTU)", disse a diretora do Depac.

Mobilização popular pela volta do cinema de rua

Que o cinema tem um forte vínculo afetivo com os niteroienses não é novidade. Em um site de relacionamentos na internet, a comunidade "Vamos salvar o Cine Icaraí" conta com cerca de 2,5 mil membros. No plano da realidade há diversos grupos representativos da cidade lutando pela preservação do cinema. Como por exemplo, a Organização Não-Governamental Eco Ação, o Araribóia Rock – que congrega diversas bandas do gênero - e o Grupo Diversidade Niterói (GDN), entre outros.

O ex-vereador Leonardo Giordano (PT), militante pela preservação do cinema na Câmara dos Vereadores e que pertenceu ao órgão de proteção do patrimônio municipal – o Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural (CMPC) –, sugere que o local se torne um centro cultural.

"Com o prédio protegido é preciso traçar um plano para o local. Quero propor soluções para o espaço já a partir de janeiro. Vou procurar o novo prefeito e a iniciativa privada para que possamos criar um novo centro cultural na cidade. É uma área valorizada e muito atrativa tanto para o Poder Público como para o empresariado. Para revitalizar a edificação também não será difícil: podem-se usar incentivos fiscais para isso", informou Giordano.

Leis que vão e que vêm

O fechamento do Cinema Icaraí, em 2006, provocou manifestações na cidade. A decisão gerou polêmica entre moradores e representantes políticos. A frente do prédio ficou coberta por tapumes de madeira obstruindo portas e janelas, que chegaram a ser arrombadas. O Cinema Icaraí foi construído na década de 1940. Sua arquitetura é representativa do estilo art déco.

Devido ao seu valor como testemunho do desenvolvimento urbano do bairro de Icaraí, ao seu valor afetivo para várias gerações de niteroienses, por ser um marco da cultura da cidade, além de ser o último exemplar de cinema de rua da cidade, o cinema foi protegido pela Lei Municipal n° 1.838/01, de 4 de junho de 2001, através da qual ficou "tombado definitivamente" o imóvel, e mantidos seu uso e capacidade, sendo definida como área de entorno para proteção o terreno onde está localizado e a Praça Getúlio Vargas.

Outra lei – Entretanto, o Cinema Icaraí foi "destombado" pela Lei 2.381/06 de 22 de agosto de 2006, de autoria do vereador Wolney Trindade, apesar do veto do prefeito Godofredo Pinto e do parecer favorável ao veto emitido pela Comissão Permanente de Constituição e Justiça da Câmara. De acordo com a lei, ficou preservada apenas a fachada, sendo permitida a construção de um prédio de 40 metros de altura.

O "destombamento" é admissível em lei somente quando configurados o interesse público ou erro por ocasião do tombamento, estando estas hipóteses descartadas no caso do Cine Icaraí.




O Fluminense

Nenhum comentário: